
O que é o Lúpus?
O LES é uma doença autoimune sistémica.1
Significa que o sistema imunitário (imune) – que nos protege das infeções e outras agressões do meio exterior – reage contra células e tecidos do meio interior, do próprio (auto).1 É o facto de diferentes sistemas de órgão poderem ser alvo desta desregulação que a define como sistémica. Distingue-se, assim, da doença exclusiva da pele (cutânea), o Lúpus Eritematoso (não sistémico).1
Lúpus no Mundo
Epidemiologia do LES
A grande maioria das pessoas (9 em cada 10) que vivem com Lúpus são mulheres. O início da doença ocorre, geralmente, entre os 15 e os 44 anos, ou seja, em idade fértil e início da vida ativa.2
O Lúpus ocorre e afeta pessoas de forma diferente em diferentes países. Limitações no acesso à saúde, à literacia ou à investigação, tornam difícil responder à questão de quantas pessoas vivem com LES no mundo. A maioria das populações não foi estudada de forma sistemática e há algumas diferenças entre estudos que não permitem a sua comparação direta.3,4
“A hora do lobo”
Lúpus em Portugal
Independentemente do número real, em Portugal e no mundo, é clara uma tendência, nas últimas décadas, para o aumento da sua prevalência, fruto de maior reconhecimento da doença, melhores tratamentos e redução da mortalidade.4 Estima-se que cerca de 400 mil pessoas sejam diagnosticadas com LES todos os anos.3
O reconhecimento e diagnóstico precoces, bem como os avanços na gestão e tratamento da doença, resultaram numa redução franca da mortalidade. 6
O maior risco de mortalidade ocorre, geralmente, nas idades mais jovens (18-39).7
É a própria atividade inflamatória da doença, e o seu impacto nos órgãos e nas defesas do organismo, o que determina o desfecho. Numa fase mais tardia da vida, doentes com LES têm um risco ligeiramente aumentado de mortalidade, em relação à população geral, maioritariamente devido às doenças do coração e vasos (AVCs, enfartes do coração) e infeções.1
Em PORTUGAL, um rastreio realizado entre 2011-2013, estimou que cerca de 10 MIL PESSOAS (0,1% da população) viviam com Lúpus Eritematoso Sistémico.5
“A hora do lobo”
Qual é a sua causa?
O LES é o paradigma de doença autoimune. Resulta de uma complexa interação entre a constituição genética de cada um e as exposições ambientais que ocorrem continuamente ao longo da vida que provocam uma desregulação do sistema imunitário.1,8
As células do sistema imunitário ativam-se contra células ou tecidos do próprio indivíduo, da mesma forma que o fariam a lutar contra uma infeção, com a inflamação resultante a causar os sintomas da doença e a danificar os órgãos.1
Como se diagnostica?
O LES é o paradigma de doença autoimune. Resulta de uma O diagnóstico de LES é clínico – isto quer dizer que não há um único teste ou exame que possa incluir ou excluir a possibilidade do diagnóstico.
Ou seja, o diagnóstico é feito pelo médico, após ponderação de todos os sinais e sintomas reportados, da sua evolução ao longo do tempo, e dos resultados dos exames.9
O Lúpus tem cura?
Não, até ao momento o Lúpus não tem cura.10
Ainda assim, o LES é gerível, através de uma combinação de auto-cuidado, cuidados médicos e cuidados de saúde, incluindo reabilitação e apoio psicológico.11,12
Que implicações tem o diagnóstico? Qual a história natural?
O Lúpus, em todas as suas formas, evolui com o mesmo dinamismo do sistema imunitário – com períodos de maior (agudização) ou menor atividade, que se intercalam entre si.1 Na maioria dos doentes, os primeiros anos da doença são também aqueles em que se concentra a menor atividade, mas o dano nos órgãos vai aumentando ao longo do tempo, pelo que a gestão adequada neste período é crítica.13
Felizmente, nas últimas décadas no Mundo Ocidental, tem-se conseguido uma redução da mortalidade associada ao LES, através de novas estratégias de tratamento e seguimento.14
“A hora do lobo”
Que fatores estão associados às agudizações (flares)?
Não cumprir o regime terapêutico prescrito; exposição solar e períodos de stress (físico ou mental) são alguns dos exemplos de ativadores (triggers) de um agravamento.15-17
Qual o impacto do LES
na gravidez?
Sem contraindicação, salvo raras exceções, ditadas pelo risco à mãe e ao feto. Apesar de uma maior taxa de complicações (aborto, nascimento prematuro), a grande maioria das gravidezes ocorrerá sem problemas.18 Para isso, idealmente, a gravidez deve ser programada com o médico que segue o doente com Lúpus, envolvendo outros especialistas quando necessário.18 Poderá obrigar a mudar alguma medicação, não compatível com a gestação ou amamentação.18 Idealmente, é preferível que a gravidez ocorra em períodos de estabilidade da doença e da medicação.19
Manifestações do Lúpus
O Lúpus pode manifestar-se de várias formas. Entre as manifestações cutâneas (que dão o nome à doença Lúpus Eritematoso), destacam-se a fotossensibilidade, o eritema malar e outras lesões cutâneas.1
Outras manifestações incluem problemas articulares, renais, hematológicos e constitucionais, como a fadiga.1 Além disso, pode haver manifestações neuropsiquiátricas, como o nevoeiro mental.16
O impacto do Lúpus estende-se além dos sintomas físicos, afetando diversas áreas da vida de uma pessoa, podendo causar ansiedade e depressão, e influenciando também as relações interpessoais, sociais e laborais.16,20
Fotossensibilidade
Eritema Malar
Lesões Cutâneas
Problemas Articulares
Problemas Renais
Problemas Hematológicos
Fadiga
Manifestações Neuropsiquiátricas
Ansiedade
Depressão
Gestão do Lúpus
O tratamento do Lúpus é tão específico e personalizado quanto as manifestações são heterogéneas de doente para doente e na mesma pessoa ao longo do tempo.1 A confiança e a relação positiva com o médico são uma importante arma terapêutica, uma vez que, pelo menos enquanto houver atividade da doença, o seguimento será próximo e frequente, minimizando também o risco de não adesão.12 O conhecimento sobre a doença é fundamental, para que todas as pessoas que vivem com Lúpus possam fazer uma gestão autónoma da doença.21
Gestão do Lúpus
Um estilo de vida saudável é crucial no tratamento do Lúpus, com o tratamento não-farmacológico a desempenhar um papel fundamental, abrangendo medidas como a fotoproteção, exercício regular, nutrição adequada, evitar o tabagismo e prestar atenção à saúde mental.12,16
Gestão do Lúpus
Relativamente ao tratamento farmacológico, este pode incluir à administração de hidroxicloroquina, corticosteroides, imunomodeladores convencionais e medicamentos biológicos, todos ajustados às necessidades específicas do doente. 12
Gestão do Lúpus
A maior parte das manifestações do Lúpus respondem a tratamento com agentes antimaláricos como a hidroxicloroquina e corticosteroides em doses baixas.12 No entanto, também é importante estar ciente de que a resposta ao tratamento é individualmente variável.12 Um outro fator-chave é o cumprimento do tratamento conforme prescrito, de forma a ter o melhor resultado possível, evitando efeitos adversos e a progressão da doença.12
Seguir SEMPRE o tratamento prescrito pela equipa médica é essencial para o controlo do Lúpus, especialmente em fases ativas da doença, mas também em fases menos graves, para evitar que surjam as agudizações.12
Lúpus e glucocorticoides
Os glucocorticoides são um tratamento comum para o lúpus. Embora sejam eficazes na gestão das crises de lúpus e na redução da inflamação, o uso a longo prazo, mesmo em baixas doses, pode levar a vários efeitos indesejáveis e aumentar o risco de sequelas nos órgãos.12,22 Assim, o objetivo do tratamento com glucocorticoides é utilizá-los pelo menor tempo possível e na dose mais baixa. Vários medicamentos podem ser usados a par dos corticoides, para reduzir a dose cumulativa dos mesmos (ou “poupar” o seu uso), mas nem sempre são eficazes ou permitem reduzir a dose na totalidade.12 Recentemente, fármacos aprovados especificamente para o LES, demonstraram uma redução mais rápida, e sustentada, dos glucocorticoides usados.23,24
Os doentes com lúpus devem trabalhar em estreita colaboração com a sua equipa médica para determinar a estratégia de tratamento ideal que equilibre o controlo da doença com a minimização dos riscos associados ao uso prolongado de glucocorticoides.12
Gestão do lúpus
Viver com lúpus não é apenas sobre aprender a gerir os sintomas físicos, mas também sobre navegar pelas emoções, desafios e transformações que a condição pode trazer.1,16
De uma forma geral, as pessoas com lúpus consideram importante para a sua adaptação à doença focarem-se em manter a normalidade na sua vida, que poderá ser conseguida através da gestão adequada dos seus sintomas.25 A partilha de informação, a auto-gestão consciente da doença e a manutenção de um papel ativo e informado na tomada de decisão são cada vez mais aconselhadas.26
Outras pessoas com quem o doente se relaciona, desempenham também um papel fundamental neste processo de adaptação, podendo ser um apoio tanto em termos emocionais, como em termos mais práticos, como por exemplo em tarefas domésticas.25 No entanto, as relações podem ser também uma fonte de stress, invalidação ou até estigma.25 Conhecer outras pessoas com lúpus poderá ser um recurso válido para partilha de informação, experiências e sobretudo para encontrar pessoas que se sentem da mesma forma e vivem os mesmos desafios. 25 A Associação de Doentes com Lúpus poderá ser uma boa forma de estabelecer esta conexão. Manter as suas atividades de vida diárias e olhar para o futuro com otimismo são importantes passos para o doente se sentir em paz com o seu diagnóstico de lúpus.25
O apoio psicológico poderá ajudar muito neste processo de adaptação e gestão do lúpus.26
Lúpus nos homens
Os homens também podem desenvolver lúpus, e é importante entender como a doença os afeta. Embora representem menos de 10% dos casos de LES, os homens tendem a ter sintomas mais graves, em particular no que respeita a saúde cardiovascular ou dos rins. Esta atividade tem o potencial para resultar numa maior acumulação de dano.27
Por outro lado, as manifestações clínicas nos homens geralmente incluem menos queixas da pele e articulações, que são das apresentações mais comuns nas mulheres.28
Embora o lúpus possa afetar os homens de forma diferente, o objetivo do tratamento é sempre o mesmo: ajudar a viver uma vida plena e saudável.
Lúpus e a fadiga
A fadiga é reportada por uma significativa percentagem de pessoas com LES.29 Nestes casos, não se trata apenas de “cansaço do dia a dia”, mas de uma experiência distinta, que impacta significativamente vários aspetos da vida do doente. Pode colocar desafios importantes à realização das atividades quotidianas, levando a um impacto na Qualidade de Vida.20
Reconhecer a natureza multifatorial da fadiga no lúpus é crucial para uma gestão eficaz. Embora a ligação entre a atividade da doença e a fadiga continue a ser um tema de debate, a investigação sugere que fatores como inflamação, dor, depressão, ansiedade, distúrbios do sono, redução da atividade física e certos medicamentos podem contribuir para a fadiga.20
Lúpus e o “nevoeiro mental”
Alguns doentes descrevem dificuldades cognitivas que ocorrem de forma episódica. Esta “neblina” ou “nevoeiro mental” (“brain fog” em Inglês) pode manifestar-se como esquecer coisas simples, ter dificuldade em concentrar-se ou encontrar as palavras certas ou sentir-se mentalmente mais lento do que o habitual.30
A causa exata ainda não é conhecida, acreditando-se que tenha um contributo multifactorial, não só pela inflamação, mas também pela fadiga, ansiedade, depressão ou efeitos secundários dos medicamentos.31
É, portanto, importante que esteja informado sobre a possibilidade de estes sintomas fazerem parte do LES para que os possa discutir com o seu médico.
Carta Global de Direitos dos Doentes
para melhorar os cuidados no contexto do Lúpus Eritematoso Sistémico (LES)32
Esta Carta foi desenvolvida por um grupo global de trabalho, constituído por representantes de pessoas que vivem com a doença e por elementos da comunidade clínica e científica para garantir que os avanços mais recentes cheguem aos doentes que deles necessitam.32
Carta Global de Direitos dos Doentes
para melhorar os cuidados no contexto do Lúpus Eritematoso Sistémico (LES)32
Esta Carta foi desenvolvida por um grupo global de trabalho, constituído por representantes de pessoas que vivem com a doença e por elementos da comunidade clínica e científica para garantir que os avanços mais recentes cheguem aos doentes que deles necessitam.32
Para descarregar a Carta Global de Direitos dos Doentes:
Para aceder ao artigo completo:
Links úteis
AVC: Acidente vascular cerebral; LES: Lúpus Eritematoso Sistémico; NEDAI: Núcleo de Estudos de Doenças Auto-imunes.
Referências
1. Kaul A, et al. Nat Rev Dis Primers. 2016;2:16039;
2. Lupus Foundation of America; Lupus facts and statistics. Último update em outubro de 2016; Disponível em https://www.lupus.org/resources/lu-pus-facts-and-statistics, consultado em abril de 2025;
3. Tian J, et al. Ann Rheum Dis 2023;82:351–356;
4. Barber MRW, et al. Nat Rev Rheumatol. 2021 Sep;17(9):515-532;
5. Branco JC, et al. RMD Open 2016;2:e000166. doi:10 .1136 /rmdopen-2015-000166;
6. Kuhn A, et al. Dtsch Arztebl Int. 2015;112(25):423-32;
7. Bultink IEM, et al. Rheumatology (Oxford ) 2021;60:207–216;
8. Bruce IN, et al. Lupus science & medicine. 2023;10(1), e000856;
9. Sociedade Portuguesa de Reumatologia. Lúpus Eritematoso Sistémico. Disponível em https://spreumatologia.pt/lupus-eritematoso-sistemico, consultado em abril de 2025;
10. CUF. Lúpus: o que é, sintomas e tratamento. Disponível em: https://www.cuf.pt/saude-a-z/lupus, consultado em abril de 2025;
11. LUPUS UK. Psychological and psychiatric problems in Lupus. Disponível em: https://lupusuk.org.uk/medical/nurses-guide/psychiatricproblems/ consultado em abril de 2025;
12. Fanouriakis A, et al. Ann Rheum Dis. 2024 ;83(1):15-29;
13. Urowitz MB, et al. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64(1):132-137;
14. Fanouriakis A, et al. Ann Rheum Dis. 2021;80:14-25;
15. Barbhaiya M, Costenbader KH. Lupus. 2014; 23(6), 588–595;
16. Warchoł-Biedermann K, et al. International journal of environmental research and public health. 2022;19(23):16021;
17. Roussou E, et al. Rheumatol Int. 2013; 33 (5): 1367-70;
18. Iozza I, et al. J Prenat Med. 2010;4(4):67-73;
19. SLEuro: European Lupus Society. Pregnancy: SLE before, during, and after pregnancy. Lupus White Book. 2024;
20. Kawka L, et al. Journal of clinical medicine. 2021;10(17): 3996;
21. Kang J, et al. Medicine. 2023;102(12):e33338;
22. Davidson JE, et al. Lupus Sci Med 2018;5:e000237;
23. RCM de Anifrolumab disponível em www.infarmed.pt, acedido em abril de 2025;
24. RCM de Belimumab disponível em www.infarmed.pt, acedido em abril de 2025;
25. Silva-Ribeiro S., et al. J Health Psychol. 2024 Nov 22:13591053241296190;
26. Schlencker A, et al. Lupus Sci Med 2022;9:e000700;
27. Frutos AR, et al. Lupus, 2017;26(7), 698–706;
28. Murphy G, Isenberg D, Rheumatology 2013; 52(12), 2108–2115;
29. Cornet A, et al. Lupus Sci Med 2021;8:e000469;
30. Mizrachi M., et al. Journal of Autoimmunity 2022; 132:102911;
31. Barraclough M., et al. Ann Rheum Dis. 2019 Jul;78(7):934-940;
32. Mosca M, et al. A charter to improve care for systemic lupus erythematosus. Clin Exp Rheumatol. 2024 Nov 11. Epub antes da impressão. PMID: 39526503.